quinta-feira, fevereiro 11

Consulta aberta



Há dias fui ao centro de saúde a uma consulta das urgências. Chamam-lhe agora consulta aberta. Fui a custo, pois não gosto de ir a esses sítios, afinal, é lá que estão as doenças... Bem, cheguei, esperei cerca de 15 minutos até aparecer a funcionária que me marcou a consulta, não sem antes me dar um valente raspanete por eu não levar o meu cartão de utente. Cartão de utente... Não vou ao médico há tanto tempo que nem sei onde é que ele está. Acho que é um azul... Não consigo perceber como é que hoje em dia, com tanta tecnologia, quando lhes basta inserir o meu nome para terem imediatamente acesso a todos os meus dados, ainda precisamos de um cartão para ir ao médico. E se eu estivesse mesmo mal e quase a morrer? Será que também me pediam o cartão? Perguntei se não havia forma de marcar consulta sem o cartão e se não poderiam procurar os meus dados no sistema através do meu nome. A funcionária fez-me uma cara de poucos amigos, pediu-me os 3 euros e 70 relativos ao preço da consulta, a minha data de nascimento e desapareceu lá para dentro novamente. Mais 15 minutos e regressou com a factura. Tinha a consulta marcada. Não foi assim tão mau. As minhas expectativas também já eram baixas à partida...
Sentei-me. A sala de espera estava repleta de gente descontente e com fome. Ia ser uma longa espera. Ainda bem que tinha ratado um pacote de bolachas antes de ir, pois já era meio-dia e a coisa não parecia que fosse ficar resolvida em tempo útil de almoço.
As salas de espera dos hospitais e centros de saúde são sítios estranhos. Em primeiro lugar porque estão repletas de gente doente, e depois porque as pessoas olham-se e estudam-se umas às outras profundamente, visto não haver nada melhor para fazer para passar o tempo. Há sempre uma panóplia de personagens diferentes que não se conhecem de lado nenhum e que dá a sensação que só se poderiam mesmo encontrar num sítio destes.
À minha esquerda estava um fulano, com os seus 50 e poucos anos, que não se calava.
- Devem-me estar a operar a mulher. - Dizia ele em voz alta, referindo-se ao tempo exagerado que a sua esposa demorava na consulta.
- Daqui a bocado aquela senhora dá-lhe uma coisa. - Continuava a berrar, desta vez referindo-se a uma outra senhora sentada junto à janela com cara de bastante enjoada, visivelmente incomodada com os berros do homem.
- O que vale é que nos vão pagar o almoço. - Dizia uma outra fulana indignada com o tempo de espera.
- Isto cada vez está pior, e a consulta cada vez mais cara. E agora vão todos almoçar e nós ficamos aqui à espera - Bem, o clima era quase de revolução popular quando a enfermeira veio à porta chamar mais alguém para entrar. A esposa do senhor barulhento saiu e ele foi embora. Um silêncio estranho apoderou-se da sala.
Entretanto chegou um senhor de idade bastante avançada a gemer de dor de cada vez que respirava. Parecia que estava mesmo mal, e toda a gente se sentiu incomodada com os seus gemidos de dor que pareciam um pouco despropositados. A coisa durou até um outro senhor de idade meter conversa com ele, aí parece que se esqueceu da dor e os gemidos pararam. Às tantas já estava a recitar quadras infindáveis e a contar histórias da sua juventude. Passado um pouco deixou de ter audiência e os gemidos voltaram. Cerca de metade das pessoas na sala, incomodadas com os gemidos exasperantes de tal personagem, saíram dali e foram aguardar para os corredores. Uma jovem com os seus 20 anos não parava de mandar asneirolas a amaldiçoar o homem. Pareceu-me bastante desagradável, pois senti uma certa simpatia por ele, com todas aquelas histórias que ninguém queria ouvir e com a nítida falta de atenção de que sofria. Nisto chamaram o meu nome. Estive com a médica 5 minutos, passou-me uma receita e vim-me embora. À saída, ao passar pela sala, não pude deixar de sentir uma sensação estranha de simpatia por todas aquelas pessoas que, tendo apenas em comum o facto de estarem em sofrimento e necessitarem de uma atenção especial, partilharam comigo algo mais do que isso. Partilharam histórias, partilharam vidas, partilharam aquele momento único... Acho que durante as cerca de 2 horas em que estive à espera de consulta não disse uma única palavra excepto nesse momento: - Melhoras rápidas para todos.

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